quarta-feira, 26 de outubro de 2016

The Last Detail (1973) de Hal Ashby



por José Oliveira

Mesmo no contexto do cinema americano dos anos setenta The Last Detail é um petardo austero, vagabundeante, triste e bonito, que pulsa a cada cena, mantendo o seu insólito organismo intacto. Nesta história simples de dois marinheiros que devem levar um terceiro para pagar pelos seus erros de ontem, começa numa condenação, esquece as responsabilidades e o amanhã, para acabar no tipo de desolação que pode ser a machadada final ou uma libertação. Tragédia aguda ou fuga da engrenagem perra da sociedade e das regras, eis a questão complexa que ficará a ecoar. Tecido silenciosamente por um dos mais inclassificáveis realizadores desse período – Harold and Maude, Shampoo ou Coming Home são entre si diferentes como o dia e a noite e completamente nos antípodas do filme que vamos ver – atravessa de vários modos a América, em diferentes temperaturas e entrando nos interiores como raramente se tinha entrado. Jack Nicholson, no auge da sua subtileza, faz par com o estóico Otis Young para acompanhar o perdido Randy Quaid, guiados por uma escrita delicada e contundente do vivido Robert Towne e envoltos na visceral luz de Michael Chapman. Entre o céu e o inferno, aproveitando o aqui e o agora e forçando um pouco de justiça. The Last Detail é um filme belo por isso mesmo e muito mais. 

Belo ainda pela sua progressão lenta e na respiração livre de efeitos programados e habituais da grande indústria. Démarche irrepetível, para a vida. Um road movie a penantes, comboios pegajosos e carreiras feias. Que tristeza toda esta higienização dos transportes do aqui… Uns segundos de acção e já se sabe do que a casa vai gastar, a missão a cumprir, do que o filme vai tratar ou destratar. Estamos numa base da marinha em Norfolk, Virginia, Estados Unidos da América. Um menino de recados procura dois marujos, Buddusky e Mulhall, encontra-os, mas esses crescidos fazendo-se durões ainda pensam ignorar o mestre de armas e a sua imperial ordem. Nada disso: ainda o filme vai na primeira bobine e eles já sabem que terão de levar o marujo Meadows até Portsmouth, no New Hampshire, como prisioneiro. Menos de uma bobine e os três já estão largados aos cães. 

Tudo abriu logo após o genérico com um seco rufar de tambores e as únicas melodias que o irão trilhar e ritmar serão marchas e entoações militares. Vamos ter então um percurso e obra seca, pequena, drenada, essencial. Assim como as sequinhas panorâmicas iniciais pelo átrio, corredores, quartos e gabinete. Para ir já de comparações em riste, secura e filigrana Bressoniana. Ou já que tudo permanece muito americano, tangentes traçadas com navalhas de De Toth ou Siegel. Que se é um filme de estrada o vai ser de modo assaz confinado mesmo que pela aridez da basta paisagem enunciada e prometida. Presos e predispostos de Boston a Nova Iorque e terras de entremeio, mesmo que com semblantes de mauzões. 

(Aparte: Que a navalha herdada pelo tipo de Utah que manobra as rédeas continue a cortar tão afiadamente embora com requintes ou atenções mais dilatadas e mesmo penosas posteriormente à saída da base, tanto representa a diferença entre o cinema americano clássico e aquele em que Ashby trabalhou, como a diferença de mundos, de ar do tempo, pessoas nele e a sociedade que o ata, com certeza bem diferente daquela em que James Stewart andou e respirou. Uma malaise e uma brandura patológica que faz com que as durações estejam necessariamente possuídas de uma dor arrastada. Dores de um certo tempo que não o campo-contra-campo e a os gizares sucintos de outras eras, uma caminhada ao estertor que insufla. Impossibilidade clássica. Nojo televisivo. Continuemos.) 

Fazer isso numa semana e com tudo pago, certos tipos chamariam a tal um doce e o marujo espertalhão Buddusky não vai pensar noutra coisa. Ele que tal como o comparsa Mule não percebe por que raios condenaram um tipo à expulsão e prisão por ter tentado roubar a caixa das esmolas de uma boa samaritana. Anda mal de saúde a justiça por aquelas bandas e as conexões perigosas são coisa universal e fatais para quem nelas se embrulha. Quem assim vai à forca é então Meadows, que é alguém que ou também precisa mesmo de um psiquiatra, como um dos “carrascos” sugere, ou é um burlesco tipo Buster Keaton, ou pura e simplesmente um inocente que se tramou por aquilo que os inocentes sempre se tramam, verdade e solidão. O contrário do bad ass Buddusky, que gosta de fazer mal por fazer, mijar em cima de pessoas, beber à fartazana e enganar a lei que o domina. Mais próximo do indeciso Mule, que tanto gosta da anarquia e diversão que alastra, para no instante seguinte se aprumar, fazer continência e lembrar que ao invés de o trio estar em despedidas de solteiro, antes acompanha um prisioneiro e há que dar valor à seriedade. 

Se The Last Detail tem o horizonte de uma linha ela vai ser torta, chão para descobertas, re-descobertas, oferendas e transformações por mínimas que sejam. Degraus à redenção. Tudo aglutinado por lentos fondus que ainda o escanzela mais, o disseca, como numa operação cadavérica. Mas a empresa é íntima e faz-se íntima, em tantos momentos Ashby pousa a câmara, sai do plateau, manda sair a equipa técnica para uma pausa, e ficam ali só os três marujinhos a ver como podem melhorar a vida de um menino. No fundo, cada um a tentar melhorar a sua vida. Buddusky quer que ele se divirta, apesar do companheiro de incumbência dizer que essa não é a natureza de tal criatura, que não tenha medo de exigir o queijo derretido no hamburguer, que beba até ao estado de vigília e de levitação. Enfim, que assobie às miúdas, que faça amor pela primeira vez, que faça tudo o que os da sua idade têm direito. E que se mantenha fiel a Deus e se zangue com quem o bajular. Buddusky é bruto mas também pode ser justo e verdadeiramente compincha. Também aprende com Meadows e fica a perceber a razão do puto respeitar sempre quem está a fazer o que tem que fazer. Os dois mas principalmente Buddusky querem que ele lute, se faça rijo, homem, cínico talvez, mas não vai ser por isso que a tímida e eterna criança-matulona se vai zangar com eles, antes pelo contrário, e momento de elevada comoção em surdina, os considera como os dois melhores amigos. Assim do pé para a mão, a tal da solidão a trabalhar no invisível carreiro, tal como a formiguinha. E os tambores continuam a rufar.

E Meadows vai queimando etapas à medida que o percurso e o tempo ardem, conhecendo novos continentes e constelações, vai confirmar dentro de si que ali não há carrascos e que se o querem preso, ele vai preso, mesmo contra normais explosões animalescas que de si brotam esporadicamente. Vai despejando litros de cevada alcoolizada, fumando como se não houvesse amanhã, finalmente assobiando meninas. Vai patinar no gelo com graça etérea. Esfumaçar droga. Engatar para ele e para os outros. Entrar na casa de putas. Copular e encantar-se com uma ninfa deslocada. Outro exercício profitable em que no termo do espaço e do tempo passível para algo acontecer, alguma coisa que seja coisa, tal sucedeu e o puto ensanguentado que vai cumprir os oito anos de prisa ou os seis se os ganhar por bom comportamento, já sabe o que o sexo oposto ao seu pode proporcionar, já se sabe fazer respeitar, andar ao cacete com os fuzileiros como acontecia nos filmes de John Ford ou do John Milius e hoje não acontece mais. Caminhada proveitosa e exemplo sem respostas, coração aberto. Triste encanto e desencanto final quiçá como nas redomas, suores e tremores de Thomas Wolfe e Nicholas Ray.

América coberta a luz sufocada, vacilante, algures glauca, apagada. E mais uma vez o cineasta no seu oficinato ama o grão película como ama o som que extravasa a origem, o que jamais é puro exercício fetichista, Ashby é taberneiro e também delicado demais para essas coisas, antes percebe que a imagem como o som não podem ser somente urdidas pelo lixo do meio envolvente que apanham, muito menos pelo profissionalismo nivelador, estando assim atento ao choque e consequências de naturezas antagónicas que no cinema acontece entre a máquina de filmar metálica e fria com a ardente natura. O resultado faiscante disso. A violência do embate. As ondas atordoantes. A harmonia, união ou impossibilidade por denso acordo. Mas tudo pacificado e em certo sentido calmo, tudo em implosão, o que mexe é o organismo interior e nunca o recorte. Zero virtuosismo. Maquinaria, forças da natureza imperiais, o trémulo humano. Há coisas e princípios sobre os quais não podemos fazer batota, questões absolutas, para que algo faça sentido. Algo que seja ainda. 

E a tal máquina vai deixar de estar à primitiva altura de Hawks. Só por uma vez, nesse quadro picado em que o trio cai por terra e não tem muita vontade de se levantar. Tudo se vai apagar em brancos prados sem viva alma, representação de um vazio de vida, procura do que vem, desilusão inescapável para quem foi com muita sede ao cântaro. Passado o calor da dissidência, acontece numa escadaria despida esse doloroso campo/contracampo do último adeus, já em picados e contrapicados, os dois livres em baixo e o condenado na sua passadeira da fama lá nos altos, instante infindável e gelado como a morte. De Frederick Wiseman, o grande documentarista americano, ao fantasista Vincente Minnelli, passando pela sede sem regras de John Cassavetes, todos, em algum momento, mudaram de forma drástica a velocidade e o lugar do olhar, pressentido e percebendo que é o peso do presente a enformar o cinema e jamais o oposto. O tempo que envelhece depressa, o derradeiro Antonio Tabucchi, epígrafe Pessoana ou a corrente deste filme em que o tempo é tudo porque aflige e urge? Apesar de ter passado, passou-se por ele bem. Passou-se. Siga a marinha.

sábado, 22 de outubro de 2016

32ª sessão: dia 25 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


Realizado por Hal Ashby, norte-americano que antes de ser assistente de montagem e montador de William Wyler e Norman Jewinson andou de trabalho em trabalho por essa América fora, muito como os seus personagens sem casa que encontram novas famílias, amigos e amantes perdendo-se do caminho e da vida mas sem se perderem a si próprios, The Last Detail é a nossa última sessão de Outubro.

Interpretado por Jack Nicholson, Otis Young e Randy Quaid, o filme atira-se para as ruas retratando uma época difícil e em que tudo parecia estar a ruir, mostrando no entanto que eram possíveis breves momentos de alívio em que se podia respirar e olhar para o amanhã com um sorriso. Por isto tudo e o mais e o resto que se pode ver olhando para The Last Detail, é o filme de tanta generosidade. Podem-no verificar esta Terça-Feira em Braga.

Jean Tulard escreveu no seu Dictionnaire du Cinéma - Les Réalisateurs que Ashby era um "montador honrado (trabalhou muito com Jewinson), passa à realização abordando o problema das relações entre Negros e Brancos em The Landlord. Evoca em seguida os amores de uma velha senhora de setenta anos e de um jovem de vinte anos em Harold and Maude, o seu único sucesso comercial. Podemos chamar a atenção das mulheres sem perder a nossa dignidade ? Era esse o tema de Shampoo. Como é que os antigos soldados da guerra do Vietname conseguem a sua reintegração depois da desmobilização ? Questão à qual Coming Home respondia. Pode-se ser ao mesmo tempo um cantor e combater ao lado dos trabalhadores num período de crise ? É Bound for Glory. Ashby gostava dos temas que incomodavam. Os espectadores, não. Daí os seus falhanços comerciais até Bem-Vindo Mr. Chance, pseudo-sátira da Casa-Branca. De qualquer maneira, faltavam-lhe vigor e talento, ao ponto de se chegar a creditar as qualidades de um thriller sangrento e enérgico como 8 Milhões de Maneiras Para Morrer ao argumentista do filme, Oliver Stone."

Doutra opinião era Jacques Lourcelles, que em Dictionnaire du Cinéma - Les Films e sobre Harold and Maude, dizia que "Hal Ashby mostra habilidade e delicadeza na descrição dos dois protagonistas, na mistura de tons (emoção e troça, humor e morbidez), na condução da história, sólida, sem ser nunca tradicional. Ele pertence a essa raça de realizadores eclécticos e brilhantes, para quem as noções de despojamento e refinação são chinês, que não procuram transformar o chumbo em ouro mas preferem trabalhar directamente sobre o ouro."

Michael Chapman, o director da fotografia verdadeira para com as emoções que se batem no filme, olhou para trás e para The Last Detail, contando que "foi o primeiro filme em que fui Director de Fotografia, e foi o Hal Ashby que me pediu. Tínhamos feito um filme a Leste e usámos o Gordie [Gordon Willis] como cameraman e eu, como operador e conhecia-me daí, e por várias razões o Gordie não o podia fazer e tinha que ser um cameraman da Costa Leste porque os sindicatos estavam separados nesses dias, portanto Haskell [Wexler] ia-o fazer mas não pôde porque não estava no Sindicato da Costa Leste, e ele tinha feito um filme com o Hal. Portanto o Gordie, acho eu, disse ao Hal para ir em frente, usar o Chappie—ele vai-se dar bem—e pediu-me para o fazer, sabendo em parte que eu pelo menos era um óptimo operador. E claro que eu disse que sim, como não, e vi-me… eu devo imenso ao Hal, digo-o a sério. Não havia uma razão racional para me pedir para o fazer em termos de experiência, no máximo só tinha iluminado mesmo alguns anúncios. Mas ele pediu-me e eu disse que sim, assustado, e a pensar que me iam descobrir, sabem, de cada vez que as rushes saíam, eu... eu ficava, oh meu Deus, eles vão descobrir que eu não sei o que estou a fazer e vão-me despedir. E não o fizeram e eu andei à volta e olhei para os locais de filmagem todos em Toronto e em vários sítios andes de filmar.

"Eu vi que uma vez que eram tudo locais reais - acho eu que com uma excepção, um quarto de hotel que construímos - a luz dos próprios locais era muito mais evocativa e carregada emocionalmente do que qualquer coisa que eu pudesse fazer. Portanto deixei-os muito animado porque tinha medo de que se pusesse alguma luz não ia saber o que raio estava a fazer, e deixei estar a luz da casa de banho dos homens na estação de comboios, do bar, do que quer que fosse, do balcão algures em Washington DC, fosse o que fosse. A luz vinha das janelas, a luz estava lá e era evocativa de um sítio real porque era um sítio real, e fiz o mínimo possível para disturbar a realidade daquele sítio, e isso acabou por se tornar uma boa decisão, acho eu, porque a) impediu que eu fosse despedido, e b) como acho que já disse, fez o filme parecer as notícias das nove, o que é mesmo o acertado para o conteúdo emocional desse filme."

Até Terça-Feira!

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Apresentação de Um Homem Decidido, por Francisco Rocha

Electra Glide in Blue (1973) de James William Guercio



por José Oliveira

Sessão bastante especial esta pois trata-se ainda de recuperar uma obra ímpar dos anos setenta que estranhamente tem sido abafada pelos historiadores, pela crítica e mesmo por Cineclubes ou Cinematecas mais atentas. Electra Glide in Blue criou bastante polémica na altura por supostas posições ideológicas, para hoje se perceber que só falava dos temas mais antigos do mundo: solidão, medo, morte. São polícias e hippies em rota de colisão, poderiam ser índios e cowboys, crentes ou ateus. Trata-se do único filme realizado por James William Guercio, que logo se fartou de tanta ignorância e se virou para a música, colocando como produtor no mapa bandas como os Blood, Sweat & Tears, ou os Chicago. Robert Blake vive o papel da sua vida, num modo de acolher paisagem e homem que de uma assentada une John Ford, Michael Cimino e Clint Eastwood. Vanishing Point, que não passaremos desta vez por questões de timing, é um seu irmão directo e indissociável, e assim recomendamos que o vejam, para uma complitude lógica. John Wintergreen, o nosso guia boquiaberto pela catedral do Oeste no filme que vamos ver, e Kowalski, o escaldado do apocalipse protegido no seu asfalto de 1971, com certeza falam a mesma língua e não vão em cantigas de linguagem. 

O mundo revolucionário, mágico e genial do cinema americano dos anos setenta que orgulhosamente rompeu com os mestres e reduziu a pó o sistema de estúdios. Os que se auto-intitularam mavericks ou rebeldes, os que encheram a pança de estatuetas douradas ou os que garantiram a boa-vida com os incontáveis dólares. Uns não tiveram mais necessidade de voltar a pegar na câmara e quando voltaram a pegar nela já estavam anestesiados, outros venderam a Mãe à custa de santificação. 

Agora e aqui no nosso Cineclube, décadas passadas, tempo para os losers. 1971. 1973. Falo de Richard C. Sarafian, falo de James William Guercio. Arte (coisa!) de rua, mais do lado da rugosidade e do visceral das matérias e dos espíritos do que de algo tematicamente prosaico e higienizado, que jamais o é. Arte do tempo, do tempo perdido, do que dói e daquele que se receia. Longe das perfeições catedráticas, de decorativismos desbotados ou american dream de t-shirt. Vanishing Point. Electra Glide in Blue. Ambos bem mais revisões (lúcidas e sem sugamento) do western por quem sabe que John Ford é a bíblia do cinema americano e do Cinema por homens feito e habitado do que fascinação e utopia à maneira da balada inicial entusiasmante do Easy Rider de Dennis Hopper. 

Tocados pelo absurdo e estupefacção do modo de habitar e de confraternizar moderno, rodam paradoxalmente quase em seco, e se a velocidade e a potência das grandes máquinas podem humilhar os velhos cavalos dos cowboys, os seus condutores estão cada vez mais isolados. Andam e andam e erram e destroem-se na sua tremenda desilusão, talvez porque já são incapazes de encontrarem as mesas de família intimistas e calorosas do citado John Ford ou as tascas habitadas pelos taberneiros profissionais de Howard Hawks. Triste e enigmático efeito ao retardador. 

Vanishing Point ou o percurso pulsional, instintivo, irremediavelmente perdido, irracional e auto destruidor de um ex-, um daqueles seres que jamais descobriu para o que realmente serve e que no fugaz instante de radiação redentora se lhe viu estatelar no rosto o fatalista eclipse. Foi condutor de motos e de carros, foi agente da autoridade, andou pelas guerras tão longe e no filme de Sarafian só quer pôr um automóvel em San Francisco, saindo de Denver, em tempo recorde... nunca se vai saber porquê e o seu rosto impenetrável, desiludido e apaziguado como os muito novos ou os muito velhos não nos vai fornecer chaves. 

E se Sarafian ainda fez belos filmes posteriormente - Man in the Wilderness poderia estar neste ciclo - Guercio fez este Electra e arrumou as botas. Acusado nesses doces anos da contra-cultura e dos hippies de fascista e de reaccionário, foi preciso esperar umas boas décadas para se perceber de que lado estava o filme, o cineasta e o polícia personagem principal a que o incomparável Robert Blake dá presença, voz, olhar, peso cósmico. Esse minorca, inocente apesar de implacável, cavaleiro solitário Blake. De que lado então? Do lado da solidão e as únicas ganas do seu protagonista é assentar o rabo num confortável carro ao invés do banco da motorizada que dá calos, vestir um fato impecável e fechar-se em escritórios. Mas vai ser fácil perceber que tais empresas desejadas nada mais são do que ironia com os pés para a cova. 

Vanishing Point e Electra Glide in Blue são assim as mais belas e dolorosas rimas de um período, belas como o cisne e o canto final, e se o cego locutor da rádio de Vanishing afirma que para o imparável Kowalski a velocidade é a liberdade da alma e que a questão não é quando vai parar, mas sim quem o vai parar, Blake sabe e revela a outro invisual que a solidão mata mais do que uma Magnum .44. 

Lá para o final bifurcante do filme de Guercio, depois de um concerto em que vemos o pequeno agente das leis colocado no seu devido lugar de nada e de quase ninguém, perfeitamente espezinhado por essa massa supostamente feliz, passamos para dentro de um pavilhão. Ali, um monólogo exteriorizado de ressaca e desabafo para com o referido invisual. Num plano afastadíssimo vamos tendo consciência das sombras e das trevas que envolvem e corroem uma alma, de um silêncio na banda som que é sinal de uma consciência terminal interna. Cada vez mais silencioso o corpo de Blake e o movimento fílmico, já a pressentirem a fossilização derradeira. Só depois de algum tempo e de uma provisória paz possível é que a câmara vai avançar muito até a um plano próximo de conjunto, mas...é a impossibilidade de reconciliação, talvez ao mundo e ao próximo, e é de uma temperatura gélida. Tem a mesma função e a mesma força do que os muito grandes planos ao rosto granítico do Kowalski que rasga a América no Vanishing. Ao sangue encarnado que tem que correr já só se sente pedra e gamas de cinzentos a tenderem a negros. 

Em Electra alguém enlouqueceu não porque sim, mas porque assolou um medo terrível de se encontrar sozinho ao acordar e assim ter que atravessar o dia e os restos dos dias. E Kowalski preferiu o mais nefasto dos embates a ter de penar eternamente algo que não confessa, que não pode confessar. 

Comungando espaços desmesurados, de aridez indelimitável, os rostos e os músculos destes por nada românticos parecem sufocar, suam e quase explodem em vivências e em sentimentos que inexplicavelmente os ultrapassam. À prometida liberdade e respiração de "Easy Rider", estas estradas já assim não se reconhecem, nem simbolicamente nem em termos práticos; estes andarilhos já estão presos pelo desbarato dos afectos, adivinhando os computadores e “telemóveis” da alienação perfeita. Dos rasgados horizontes impassíveis e indiferentes de Vanishing até às místicas e esotéricas envolvências Ciminianas de Electra (os grandes pioneiros... Andrew Wyeth... Cimino... até ao nervo estertor de Peckinpah - a mais bela e mais evocativa, bucólica e magoadamente nostálgica via do cinema americano), de uma predestinação até a um acordo calado e interior, ambos os filmes têm a grandeza e a humildade de se instalarem em território sagrado, o do western ou o das fundações de uma nação, para experimentarem ou saberem como se anda lá e o que lá acontece volvida a possibilidade não escassa dos sentimentos e das dádivas. Em Electra, a cena em que chamam “chefe” a Blake e em que todos são índios, num paraíso perdido de uma possível comunhão logo quebrada pela lei sem qualquer grampo de escrúpulos. Em Vanishing, toda a dança sinfónica ou assimétrica das perseguições que a todo o instante pressentem em contra-campo massacres de outros tempos não muito remotos. Os filmes querem saber o que se passa agora nessas antigas terras dos cavalos, gados, onde quando se tinha de ir de um ponto A a um ponto B o sangue podia secar e era questão de vida e de morte e era para sobreviver a todo o custo com possivelmente alguém à espera – isto é, emocionalmente e esteticamente.  

Kowalski – fúria de uma vida de um transcendente Barry Newman – ou amou uma e uma só mulher para uma eternidade qualquer ou a agudez do desespero é tão profunda que as delicadas carnes que se lhe oferecem já não lhe provocam qualquer vontade. O filme em vez de escancarar só escurece e torna dúbios tais retraimentos, o porquê de se entregar a narcóticos e a nadas do que a tais céus. Mumificado ou zombificado, a chama que outras horas tanto ferveu está agora estagnada ou só corre em conformidade com o pé no acelerador que renuncia a acalmias rumo a vislumbres de mortes. Diferente ou não é o John Wintergreen composto por Blake, das poses de garanhão que fode a também perdida puta do povo pretendida boneca, até ao sorriso infantil com que macaqueia jovens belas e frescas, passando pelo sério semblante que é protecção e generosidade, é como o Kowalski de Vanishing, um homem de interior quebrado e convulso mesmo que já de decisão tomada, e a maneira como Guercio o filma na largada, em fragmentos e estilhaços, tal como quando Kowalski é estátua paralisada no imenso meio que é palco privilegiado para a perda, só confirmam uma doença que é tanto primitiva como nascente ou potenciada pelos ares daquele tempo. 

Em Vanishing, diz ainda o speaker, os polícias fascistas perseguem o solitário herói. Em Electra pode-se pegar no discurso iniciático do polícia chefe para com os novatos, em que este lhes chama desde comunistas a fascistas ou a porcos e coisas que tais, para se perceber que aquele polícia solitário e também o seu amigo que se mata porque não parece muito mais alegre, podem tanto ser vítimas dos hippies maus como de outros maus quaisquer que gravitem ao seu lado de gravata. Preto e branco estilhaçado, maniqueísmos estilhaçados. Genuíno gesto emancipador. 

Cena final de Electra que fala com a de Vanishing e assim perscruta os podres desta monstruosa sociedade que corrompe o mundo por indiferença, mundo que é belo como belas são as montanhas escarpadas aos ventos e aos pós do Monument Valley, cena final: Robert Blacke não morre com um brutal tiro de caçadeira de um alternativo, morre é de Solidão. De uma indizível solidão, muito muito mas mesmo muito mais mortal do que qualquer arma de morte. Assim como Kowalski se decide entregar no altar de uma humanidade que só o lixou, indo ao encontro de pérfidos monstros metálicos. 

À imensa fragilidade destes frágeis (e extremamente fortes) seres em derrapagem (ou já com aquelas certezas e convencimentos do que não pode ser de outro modo e assim mesmo é sem dúvidas) estruturas e construções formais que assentes em princípios sólidos e claros, e assim muito clássicos e nunca gritados apesar das ousadias, tantas vezes vibram e tremem por essa moral de nunca impôr egos e sim buscar justos caminhos precisamente nos caminhos percorridos, geograficamente e interiormente, sendo certeza bem material e visível essa operação do olhar e do acolhimento e colhimento de uma fria câmara a tão preciosos e raros sentimentos. Em Electra a sequência da perseguição ao grupo motard é perfeitamente funcional e até banal, mas isto e outros despachos servem apenas para franquear vias a desgraças irreparáveis e comoventes. Uma construção que tudo absorve. Sem ilusões. 

E assim...uma singular singeleza. E assim...John Ford e Eastwood. Tão singular que teve de ser apagada. Resíduos ou pedras no sapato que arriscavam revelar a outra face da moeda que se quer sempre escondida – basta ler o supracitado puteiro demagógico de Peter Biskind sobre tal década. 

Na indiferença e imperturbabilidade dos olhares finais de Vanishing e de posteriores rituais funéreos, ou na estrada que distende e dilata e eterniza os tempos em Electra, só se acentua o inescapável: esses pontos perdidos nos cosmos que somos nós. A qualquer momento vencemos montanhas, a qualquer momento trememos. Bem-aventurados os que dispensam as pobres palas dos pobres burros e ousam olhar para os lados.

sábado, 15 de outubro de 2016

31ª sessão: dia 18 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


A nossa próxima sessão é bastante especial pois trata-se ainda de recuperar uma obra ímpar dos anos setenta que estranhamente tem sido abafada pelos historiadores, pela crítica e mesmo por Cineclubes ou Cinematecas mais atentas. Electra Glide in Blue criou bastante polémica na altura por supostas posições ideológicas, para hoje se perceber que só falava dos temas mais antigos do mundo: solidão, medo, morte. São policias e hippies em rota de colisão, poderiam ser índios e cowboys, crentes ou ateus. Trata-se do único filme realizado por James William Guercio, que logo se fartou de tanta ignorância e se virou para a música, colocando como produtor no mapa bandas como os Blood, Sweat & Tears, ou os Chicago. Robert Blake vive o papel da sua vida, num modo de acolher paisagem e homem que de uma assentada une John Ford, Michael Cimino e Clint Eastwood. Fundamental. 

Francisco Rocha, criador e autor do blog My Two Thousand Movies, um dos maiores e mais honestos cinéfilos do planeta e arredores e um dos maiores fãs de Electra Glide in Blue (que diz ser sobre a "queda do sonho americano"), vai apresentar o filme em vídeo.

James William Guercio, no fim do comentário áudio do DVD de Electra Glide in Blue debruçou-se sobre ele e sobre a canção que escreveu de propósito para o filme, Tell Me, dizendo que "a América é um grande sonho mas o Vietname foi um período muito duro e pensar nisso também é portanto, a meu ver, não era um filme fascista e eu falei a respeito disso aos europeus, que pensavam isso, mas eu não achava que era o que este filme significava, para mim. O que ele significava, para mim, era a nobreza da experiência americana e, sabem, pessoas como o meu pai que trabalharam a vida inteira e é por isso que deviam ouvir a letra, "digam-me que não é tarde demais". Era de pensar que isso ia juntar as pessoas e era o que eu queria fazer. Mas era uma história policial bem modesta."

Olivier Père, o director artístico do Festival de Locarno e programador da Cinemateca Francesa, talvez quem mais tenha ajudado a re-descobrir este filme esquecido (de que revela o final, neste excerto - fica o aviso), confessou que "entre os « road movies » mais ou menos directamente gerados pelo sucesso de Easy Rider (A Estrada Não Tem Fim, Corrida Contra o Destino), há um que pode ser visto como o contraponto exacto do filme sobrevalorizado de Dennis Hopper. Electra Glide in Blue (nome das grandes cilindradas pilotadas pelos motociclistas da polícia) na verdade tem como herói um polícia íntegro, idealista até à ingenuidade, percorrendo as estradas do Arizona na sua moto. Ele é interpretado pelo estranho Robert Blake, que 25 anos mais tarde assombrará a Lost Highway de David Lynch, e cuja pequenez é objecto de vários gags visuais no filme. Um inquérito rotineiro sobre um suicídio duvidoso fá-lo-á tomar consciência da corrupção geral que reina na polícia. Aos heróis traficantes de droga sucede-se um polícia que terá uma morte simétrica às de Easy Rider, fuzilado na estrada por hippies. Electra Glide in Blue é o único filme do produtor musical James William Guercio, cinéfilo que só jura por Ford e A Desaparecida. Quando recebe carta branca para realizar um filme de baixo orçamento, Guercio aproveita para assinar um western moderno, entre respeito fetichista e re-leitura crítica. Contrariamente a outros filmes populares dos anos 70 (Zabriskie Point, por exemplo), Guercio não quer dinamitar as mitologias americanas, mas pô-las à prova com os tempos modernos e continuar a engrandecê-las no plano cinematográfico. Ele torna as paisagens fordianas e reproduz os enquadramentos e as cores d'A Desaparecida (com a cumplicidade de Conrad Hall, um dos maiores directores de fotografia da sua geração), enquanto que os interiores adquirem uma autonomia estética com um tratamento visual oposto. As rupturas no tom também se multiplicam ao longo da estória, do humor à ultra violência com uma perseguição manchada de sangue quase surrealista. Guercio está muito mais próximo de Michael Cimino que de Dennis Hopper. A ironia pós-moderna e uma certa excentricidade não chegam a esconder a melancolia profunda e a nostalgia apaixonada do cinema primitivo americano. 

"É por todas estas razões que Electra Glide in Blue é um objecto atípico, um verdadeiro hapax. Guercio não filmará mais nada depois deste filme, acusado de fascismo na sua estreia (porque o personagem principal é um polícia e porque os hippies são descritos como ectoplasmas nada simpáticos) depois caído no esquecimento (apesar da selecção oficial no Festival de Cannes) até Vincent Gallo ou os Daft Punk o citarem como uma influência maior (ver The Brown Bunny ou os robots de couro preto a errar no deserto de Electroma)."

Até Terça-Feira!

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Apresentação de A Última Golpada, por Matheus Cartaxo

Thunderbolt and Lightfoot (1974) de Michael Cimino



por João Palhares

Fruto da Malpaso Company (a produtora fundada por Clint Eastwood e Irving Leonard com o lucro feito com a trilogia dos Dólares de Sergio Leone, interpretada por Eastwood, baptizada de Malpaso por causa de uma enseada no Big Sur que tanto tinha fascinado Henry Miller, Jack Kerouac e fascinava agora Eastwood; o nome funcionou (e funciona) também como uma espécie de “muita merda” para a sua carreira e para os seus filmes, que, de Hang 'Em High a Sully, feito este ano e expressão e reflexo de um espírito completamente livre, "passou mal" muito poucas vezes), Thunderbolt and Lightfoot foi o primeiro filme de Michael Cimino, nova-iorquino vindo do mundo da publicidade e autor de anúncios televisivos para a L'eggs, para os cigarros Kool, para a Eastman Kodak, a United Airlines, Pepsi e outras marcas. Foi nessa altura que conheceu Joann Carelli, que depois, nestes nossos anos 70, o convenceu a tornar-se argumentista de cinema e acabaria por produzir três dos seus filmes (The Deer Hunter, Heaven's Gate e The Sicilian). Cimino co-assinou então o argumento de Silent Running (o primeiro filme realizado por Douglas Trumbull, o supervisor de efeitos especiais de 2001: A Space Odyssey de Stanley Kubrick e The Andromeda Strain de Robert Wise), e através da Agência William Morris e de Stan Kamen vendeu o argumento de Thunderbolt a Clint Eastwood, que era para ter realizado o filme mas acabou por deixar Cimino fazê-lo, depois de este ter trabalhado no argumento de Magnum Force

Tendo oferecido isto a Cimino, durante a rodagem Eastwood torna-se ainda o reflector do talento e da luz irradiada por Jeff Bridges, que interpreta o frágil Lightfoot. Vendo na personagem uma expressão perfeita dos anos sessenta, Bill Krohn disse a Cimino numa conversa monumental publicada em 1982 no nº 337 dos Cahiers du Cinéma que “Jeff Bridges é assombroso nesse filme. Lightfoot é provavelmente a personagem mais completa que já criou, e é a expressão desse período.” Cimino – que, ainda nessa conversa, disse ter percorrido nos anos sessenta a América inteira “sozinho, num carro: lembro-me do céu, da noite; fiquei sem recursos, uma noite, algures no North Dakota, numa estrada plana até se perder o olhar; fui-me embora, era o pico do Inverno, estava um frio terrível, estava tudo silencioso, e fui-me. O céu parecia irreal, incrivelmente irreal, e, não sei, lembro-me de me ter apaixonado por essa estrada, de alguma maneira me ter apaixonado com a “viagem”, e nunca parei.” - respondeu que “gostamos todos de explorar, descobrir coisas, novos lugares. No acto de explorar, de nos fazermos à estrada, reside a descoberta de algo sobre a verdadeira ordem das coisas. Todos temos um bocado deste sentimento em nós; alguns usam-no, outros não. Eu acho que é característico dos Americanos e do Western, sem dúvida. Eu adoro mesmo essa personagem, mas adoro todas as minhas personagens, como velhos amigos. Quando acontece rever os meus filmes, é como se estivesse a ver um filme de amigos; nunca me passa pela cabeça que estou a ver actores a interpretar um papel, tenho a impressão de estar a ver um filme dumas férias que se relacionam com um acontecimento em que participei sem me ver a mim mesmo, embora sinta a minha presença. É como a ilustração de um momento em que se partilhou. Eu sorrio quando penso no Jeff. Na verdade, ele dominou o filme um pouco mais do que o esperado.” Bridges confirmou isto tudo, quando contou em Julho deste ano, num texto muito sentido escrito pela altura da morte de Cimino, que o realizador lhe tinha dito “que este tipo, Lightfoot, era nada mais nada menos do que eu, que eu não podia cometer um erro, ou um passo em falso, mesmo se quisesse.” 

Toda esta generosidade passa para Thunderbolt and Lightfoot, desde as suas imagens inaugurais com os acordes da guitarra de Paul Williams a acompanhar o vento que sacode as searas de trigo, enquanto ao longe se vão ouvindo as canções dos fiéis da personagem de Clint Eastwood, até ao tocante final, com carros a atravessar montanhas e seres a desvendar o segredo maior; passando por momentos de confissões e narrações de histórias e passados, sublimados pelas paisagens que Cimino e Frank Stanley captam com a sua câmara. A generosidade é algo de que se fala pouco quando se fala de Cimino, mas é impossível pensar noutra coisa quando se vê este filme. Vêm à memória as lágrimas dele em Locarno, nessa conferência de imprensa lindíssima em que se passa de tudo e em que ele se deu por inteiro a quem lhe quisesse falar. Uma rapariga saltou as grades para lhe perguntar como é que conseguia lidar com um mundo cruel, cínico e duro e ele disse-lhe que se tinha que ser mais duro que toda a gente, como no futebol americano. “But you're nice at the same time”, disse-lhe ela. “I'm only pretending to be nice, now”, foi a resposta. E pediu-lhe para ficar, enquanto relações públicas e organizadores do festival lhe diziam para se despachar e ele continuava a falar e a ouvir. Estaria mesmo a fingir? Vendo outra vez Thunderbolt and Lightfoot, em que Cimino também se dá por inteiro, assistindo outra vez ao que acontece ao personagem de Jeff Bridges, frágil demais para resistir ao mundo e à vida de Thunderbolt, fica-se a pensar se a vida e a obra de Michael Cimino não estarão também entre o raio e a doçura, entre o reboliço do mundo e a candura dos homens.

Como se diz na oração logo no princípio do filme (tirada da Bíblia, Isaías: 11:6), "The wolf also shall dwell with the lamb, and the leopard shall lie down with the kid". E vêem-se Roy Jenson (logo no princípio do filme), Geoffrey Lewis e George Kennedy, repara-se no tratamento que estes lobos e leopardos recebem, a forma como são filmados e descritos e volta-se a pensar na conferência de Locarno e em Cimino a falar dos "killers" que conheceu e de como são as pessoas que têm mais sentido de humor. Para alguém que cedo desistiu de pródigos futuros e ambientes luxuosos e confessou mesmo preferir a companhia das "más companhias" talvez não seja surpreendente, porque "esses tipos eram tão vivos. Quanto tinha quinze anos passei três semanas a guiar por Brooklyn inteira com um gajo que estava a seguir a namorada. Estava convencido que ela o estava a enganar, e tinha uma arma, ia-a matar. Havia tanta paixão e intensidade nas vidas deles. Quando os miúdos ricos se juntavam, o máximo que fazíamos era passar um sinal vermelho." E por tudo o que acontece neste belo filme e por tudo aquilo que passam Thunderbolt e Lightfoot, apetece-nos mesmo acreditar no segundo que, às portas da morte, diz que não acha que são criminosos e que fizeram um belo trabalho.

Mas vamos ter tempo para explorar tudo isto: vamos poder ver a guerra no Vietname e nos corações de Mike e Nick em The Deer Hunter, Kris Kristofferson a lidar com a avareza e a injustiça do seu tempo em Heaven's Gate, o capitão Stanley White a debater-se entre o ódio e o amor que sente pelo inimigo (é esse o grande não-dito de Year of the Dragon: “if you fight a war long enough, you end up marrying the enemy”), enquanto a música de Mahler ilustra essas mesmas contradições, o Salvatore Giuliano de The Sicilian que rouba aos ricos para dar aos pobres, as Desperate Hours em que a relação entre assaltantes e assaltados toma contornos bem complexos e o milagre final e a relação mágica entre Blue e o Dr. Michael Reynolds em The Sunchaser

Que comece a aventura.

sábado, 8 de outubro de 2016

30ª sessão: dia 11 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


A nossa trigésima sessão vai ser Thunderbolt and Lightfoot, primeiro filme do grande Michael Cimino, falecido este mês de Julho. Dupla dádiva de um Clint Eastwood de fama cimentada a dois jovens ávidos e talentosos que começavam na altura as suas carreiras, Jeff Bridges e o próprio Cimino. Muito como o que John Wayne e Howard Hawks fizeram em Rio Bravo com Dean Martin: "It's the kid's movie, isn't it? Yeah". Marcará o início da retrospectiva a este cineasta essencial e que se deve pôr ao lado dos maiores e dos mais importantes artistas deste mundo.

O filme será antecedido por uma apresentação em vídeo por Matheus Cartaxo, um dos editores da Foco - Revista de Cinema desde 2009. Graduou-se em Cinema pela Universidade Federal de Pernambuco no ano de 2015 e actualmente faz mestrado sobre a obra de Brian De Palma na mesma universidade. O vídeo foi gravado expressamente para esta sessão.

A Bill Krohn, em 1982, para os Cahiers du Cinéma, Cimino disse que "Thunderbolt and Lightfoot foi inteiramente filmado no Montana, mas em sítios muito diferentes; viajámos muito, especialmente à volta de Great Falls; nas margens do Dearborn e do Missouri; nos campos de trigo a leste de Great Falls. A escola, com a sua divisão única, é uma réplica exacta de uma escola encontrada no outro lado das montanhas, a oeste. Era tão bonito, onde a construímos, que tivemos problemas a afastar os turistas durante a rodagem. Era em Wolfcreek, à entrada de Helena. Filmámos numa cidade pequena a norte de Great Falls, Fort Benton, que é o mais longe a oeste que se pode ir no Missouri, onde o equipamento e os produtos industriais chegam de barco a vapor de St. Louis. As fotografias antigas de Fort Benton mostram centenas de barcos a vapor junto às margens; era de pensar que Fort Benton se fosse transformar numa metrópole. É nesta pequena cidade que Clint, sentado debaixo duma árvore com Jeff, conta o passado dele. Fort Benton tem uma história muito rica no desenvolvimento do Oeste. Foi lá que eles descarregaram a mercadoria toda, para depois a empilhar nas carroças que seguiram o caminho da Oregon Trail, ou se espalharam noutras direcções. Foi uma das regiões onde exploraram as minas de ouro, em Monarch Pass, a leste de Great Falls, o tamanho do Missouri, etc. É uma terra em campo aberto ilimitado. É em grande parte a zona de Charlie Russel: a sul de Great Falls, há um bar onde se encontram muitas das suas pinturas, de uma certa altura; e se se continuar para sul de Great Falls, reconhecem-se muitas das figuras que ele representou nos seus quadros; o território parece muito familiar. Eu achei a terra a leste da Great Divide muito fascinante, porque é lá que as Great Plains se encontram com as montanhas. É muito íngreme; colinas que não se podem subir a pé, especialmente acima da Interstate 2, a norte de Browning, que é uma reserva para Índios Blackfoot. Se se olhar para Este, pode-se ver quase até às Dakotas, e as montanhas elevam-se por todo o lado. O Este é seco e liso, e a Oeste, jaz o Pacífico. Achei que era um sítio de muitos contrastes; o clima é completamente diferente no Este e no Oeste. O que é que se podia pedir mais: algumas das montanhas mais bonitas no mundo, os rios, os pinheiros, os lagos, as planícies; tudo o que se pode desejar."

Já Robin Wood, em From Vietnam to Reagan (num texto que Manuel Cintra Ferreira traduziu para o catálogo da Cinemateca Portuguesa dedicado ao cineasta), escreveu que "O filme começa numa igreja e termina (quase) na sala de uma escola: a sua acção é traçada entre duas das maiores instituições históricas para a socialização, para a construção da normalidade, ambas marcadas pela presença da bandeira americana. Ambas, contudo, são mais apresentadas explicitamente como conchas obsoletas e vazias do que como repositórios de valor. A igreja é o palco para um sermão dado por um falso pastor, ladrão de bancos cadastrado, interrompido por um pistoleiro que tenta assassiná-lo. A escola fora removida da sua localização original e fossilizada como um monumento histórico; a sua importância na narrativa reside no facto de ser usada como esconderijo do saque - por detrás do quadro negro, uma secreta e irónica lição do capitalismo Americano. Thunderbolt/Clint Eastwood, contemplando a escola perto do fim do filme, murmura respeitosamente "História!": a admitida relação periférica entre a imagem e a realidade da América, entre o passado Americano e o presente, liga o filme ao western e ao trabalho subsequente de Cimino. Igreja e escola (ao lado dos pares heterossexuais burgueses de meia idade, ambos caricaturados, associados entre si) representam tudo o que no filme se associa ao conceito de lar. No que se refere a casas, nenhuma das personagens tem uma, ou sequer lamenta a sua ausência: contudo Lightfoot, interrogado sobre se tem "gente", responde "Não sei de ninguém, é esquisito".

"Apesar da relação central, o filme de onde Thunderbolt and Lightfoot deriva mais directamente... é Bonnie and Clyde. O padrão básico da narrativa é muito semelhante: o ponto de partida de ambos os filmes é o encontro fortuito de duas personagens, que, imediatamente atraídas uma pela outra, depressa formam equipa; mais tarde junta-se-lhes uma segunda, um par algo mais velho com o qual um dos membros do par inicial teve ligações no passado. Os quatro formam uma quadrilha, planeiam e executam assaltos. Finalmente tudo acaba por se desfazer, sucedendo a catástrofe e a morte. Há muitas diferenças incidentais, mas a maior é que ambos os pares heterossexuais do filme de Penn se tornam pares masculinos no de Cimino, onde as mulheres não têm qualquer papel na acção central, e do qual está conspicuamente ausente a nostalgia pelo lar perdido que assombra Bonnie and Clyde."

Até Terça-Feira!

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Scarecrow (1973) de Jerry Schatzberg



por José Oliveira

Para Herman Melville o grande tema Americano foi o espaço, para Jack Kerouac, a velocidade. Na abertura de Scarecrow dois vagabundos encontram-se no fim do mundo que para eles é como o dia-a-dia; poderia ser o absurdo do Hitchcock de North by Northwest levado ao limite, mas nesses ventos de errância a caricata situação comporta a brisa da normalidade. O marinheiro de Al Pacino que certo dia a certa hora teve medo e embarcou para longe, tal como o Gene Hackman das negociatas e do desenrasque, tratam as grandes distâncias como o pátio da infância e não conseguem deixar de correr sob o risco de deixarem de respirar. É capaz de ter esta cara o tão perseguido american dream. Curiosos como crianças, com infinita sede de descoberta e tratando o perigo como mais um comparsa a conhecer, o mais novo vai ensinar ao mais velho que uma descarga de riso pode ser tão violenta como uma carga de porrada. Mas depois há o passado e o acaso que podem soprar para onde quiserem. Tão caloroso como grave, Jerry Schatzberg, na altura um fotógrafo eminente, realizou o mais belo dos filmes sobre as infinitas possibilidades da amizade.

Scarecrow termina em planos compungidos, surdos, aflitos, como em paga depois de tanta ousadia e limite transposto; planos que não condenam, nem julgam, estando a casuística e o ordinário embutidos neles; mas termina também com alguém, o próximo, a encarar tudo isso de frente e a desafiar mais uma vez a sorte. Vai-se dos abertos horizontes de todos os sonhos e possibilidades até à tragédia consumada, dos possíveis recomeços e das dádivas da Americana até ao melodrama desossado. Mas como estamos em território e ofício orgulhosamente clássico, mesmo que vagueando nessa profana década de touros enraivecidos ou corridas sem fim, só se pode começar a falar destas coisas pelo princípio, antes de uma bifurcação oferecida aos que numa ordem e num tempo cruel do cada-um-por-si tiveram o descaramento de sorrir. O descaramento da inocência. Da bela e altiva inocência. Reza assim o inaudito prelúdio: no meio do nada, do alto de uma colina profundíssima desce Max a pé, no seu depois inconfundível estilo fanfarrão. Cá nos baixos vai-se deparar com um tipo bem mais novo do que ele, Francis, o tal alegre mas também tímido, a quem irá até ao fim tratar por Lion. Até ao fim, é justo que se reforce. A situação é menos inaudita do que a de Cary Crant nos milheirais de Hitchcock no célebre filme de 1959. Logo aí as personalidades de cada um e as maneiras de ir ao mundo vão estar bem demarcadas. Em longos planos-sequência, já unindo o que parecia não ser passível de união.

Max acaba de sair da cadeia meia dúzia de anos depois de ter entrado, meio trapalhão, com resposta sempre pronta para o que quer que seja, desconfiado, “filho da puta” como se define com orgulho, dos que não confiam em ninguém nem aparentemente amam nada, sempre com a violência de resguardo. Também fica birrento como uma criança quando se zanga. Lion pode ser à primeira vista o negativo deste, divertido mesmo que por vezes se note a diversão como abafador da solidão e do medo, dos que gracejam defronte aos problemas e que se apresentam com esperança e humor e amor mesmo que saibam que uma tempestade se aproxima. Ao contrário de Max costuma fugir dos obstáculos e das grandes decisões e, como o Robert do filme de Rafelson que vimos no nosso Cineclube, entregou-se à marinha e deu corda às sapatilhas de rabo entre as pernas aquando de um filho e de responsabilidades prometidas. Max vai gostar quase logo de Lion pois este ofereceu-lhe o seu último fósforo, e aí nesse revolucionário vento e nessa revolucionária poeira de oeste deserto vão nascer partilhas e uma camaradagem sem limites. Seguidamente comem até rebentarem e fazem-se à vida pois a morte é certa. Ambos têm em comum a perdição e o gosto pelo risco, mesmo que tentando riscos diferentes. Puros drifters, sem a consciência de tal.

Longe dos grandes centros se vão manter e nos percursos clandestinos entre Denver, Detroit e a tão almejada Pittsburgh as mudanças e os cenários serão mais sentimentais do que físicos. Serão transformadores como transformador e decisivo vai ser o conselho do jovem ao mais velho quando este só acredita no olho por olho dente por dente. Ensina-lhe a ter a mesma reacção que segundo ele os corvos têm diante dos espantalhos que protegem os campos plantados, animais que em vez de se assustarem, riem-se, e assim deixam os autores dos bonecos em paz. «Não tens de lhes bater se os fizeres rir». É Max que imediatamente se rirá de modo trocista do conselho, mas algo ficará. E se à custa de mais aprendizagens nunca suficientes os dois vão passando realmente coisas um ao outro, uma das coisas que mais desarma neste filme absolutamente desarmante e assombroso, é a forma como estes dois tipos fogem a qualquer arquétipo que desta década se poderia supôr.

Max, o velho que poderia representar o antiquado studio system de Hollywood é o mais selvagem, o anárquico, sem dúvida o idiossincrático, iconoclasta, ou seja, um Dennis Hopper ou um Francis Ford Coppola. Lion, na flor da idade e com sangue na guelra apresenta-se mais cauteloso, protector de nobres valores, humanista sincero, um Walsh ou um Hathaway. À tão propalada fuga para a frente das décadas de 60 e 70 do cinema americano, Schatzberg vai tudo pôr em causa e tudo complexificar. Max só quer concretizar o desejo de uma vida, abrir um negócio e fixar-se finalmente. Lion embarca como seu sócio e antes disso só quer ver o filho e a mulher que abandonou num impulso. Corte brusco e aparece aquilo que na vida sempre vem – relações entrevistas e adiadas, volte-faces, encarreiramentos, inesperados. A vida e o tempo que consistem em não parar, modifica, e as coisas entre ambos começam a confundir-se e mesmo a reverter-se lentamente. Max passa do aterrador e do ridículo, como define Lion, só até ao ridículo do espantalho; assim como Lion, que um pouco na contramão tanto riu, tanto banalizou dores e responsabilidades, já não consegue fazer o luto quando ele surge verdadeiro e assim indispensável, daí até ao baque e a uma possível demência por atrofio dos valores é um passo tão rápido como o final, sem pinga de sangue, outro tipo de espantalho ainda mais dúbio.

Pobre Lion, que não percebeu que a diferença entre os da sua raça terráquea, ou pelo menos ele próprio e os da sua boa natureza, em relação aos espantalhos tem a ver com a carne que esses simulacros não têm. Carne carne, como veias veias e ossos ossos. Sangue. Do que ferve ou congela. Organismo convulso verdadeiramente oposto à palha e ao oco dos tais que assustam ou fazem rir aves. E sobretudo, sobretudo o coração. A parte fulcral que a modernidade mais do que moderna da "sociedade perfeita" fez esquecer, ridicularizar. A parte feminina do homem, tal como nos disse Melville em relação aos demais bons que rareiam por esta terra, como esse inesquecível Billy Budd, com certeza da mesma árvore genealógica e pureza de F. L. Delbuchi. Há gente que muda efectivamente, como Max. Outros que de tão anestesiados e rotinados são há muito incapazes de rir, como a mulher que o mata em infame escorregadela. Mulher que pode ser tão desculpada e bela como Lion, seres desprotegidos que simplesmente tremeram no instante negro. Sem premeditação.

E felizmente os tragicamente bons, esses tão raros, que como definiu G. Sand a propósito de Chopin, «são de uma organização demasiado perfeita e esquisita a este mundo grosseiro para que possam viver aí demasiado tempo». A beleza de uma pessoa que um mundo destes teve obrigatoriamente de castrar. Tal e qual como outras esferas se deleitaram na trucidação e abafamento de belezas como as que por esta época Michael Cimino, outro desta casta, ousava erguer. Desse sorriso eterno e alegria na vida à explosão e à maca e à sedação por drogas, esse término de um caminho que era ainda uma aurora, tiro no coração de uma humanidade que transforma em vegetal quem por ela vive verdadeiramente - perfeito desenlace e perfeita imagem de uma sociedade corrompida e por tantos a ideal. Só dançarinos ou equilibristas tipo Chaplin e Keaton passaram assim como meteoritos desregrados e incontroláveis pela selva civilizacional; com tantas paragens e conversas a remeter para o grande e fúnebre cinema europeu da época, Jean Eustache acima de todos.

Entre o filme de Bob Rafelson e o de Jerry Schatzberg, entre esses risos tão contraditórios e tão melindrosos e medrosos e fortes ao mesmo tempo, várias correspondências, sendo a consciência do terrível de se entregar a fundo num mundo tão horroroso porque gratuitamente aniquilador como este, a maior delas. Five Easy Pieces e Scarecrow, foragidos com causa. E já que referimos Cimino, refira-se também o sereno fulgor e a revelação majestosa do trabalho do genial director de fotografia que foi Vilmos Zsigmond, desaparecido este ano. Cimino e Zsigmond voltarão muito ao nosso Cineclube, para nos mostrar que entre o génio inato da natureza e o génio inato do homem está o verdadeiro fogo, relação que só desse modo incendeia a tela nascida escura do Cinema.

sábado, 1 de outubro de 2016

29ª sessão: dia 4 de Outubro (Terça-Feira), às 21h30


Para Herman Melville o grande tema americano era o espaço, para Jack Kerouac, a velocidade. Na abertura de Scarecrow dois drifters encontram-se no fim do mundo que para eles é como o dia-a-dia; poderia ser o absurdo do Hitchcok de North by Northwest levado ao limite, mas nesses ventos de errância a caricata situação comporta a brisa da normalidade. O marinheiro de Al Pacino que certo dia a certa hora teve medo e embarcou para longe, tal como o Gene Hackman das negociatas e do desenrasque, tratam as grandes distâncias como o pátio da infância e não conseguem deixar de correr sob o risco de deixarem de respirar. 

É capaz de ter esta cara o tão perseguido american dream. Curiosos como crianças, com infinita sede de descoberta e tratando o perigo como mais um comparsa a conhecer, o mais novo vai ensinar ao mais velho que uma descarga de riso pode ser tão violenta como uma carga de porrada. Mas depois há o passado e o acaso que podem soprar para onde quiserem. Tão caloroso como grave, Jerry Schatzberg, na altura um fotografo eminente, realizou o mais belo dos filmes sobre as infinitas possibilidades da amizade. É a nossa próxima sessão.

Cineasta e fotógrafo (é dele a fotografia na capa de Blonde on Blonde de Bob Dylan, de 1966 e muitos são os retratos que tirou a modelos, a famosos e a anónimos), Schatzberg falou sobre o trabalho e as viagens feitas com Vilmos Zsigmond (o director de fotografia) para o filme num podcast do Movie Geeks United, dizendo que "viajámos juntos pelo pais fora algumas vezes ainda antes de começar a rodagem e é bem bonito, acho que toda a gente devia fazer isso pelo menos uma vez porque a perspectiva é tão diferente vá para onde se vá. Nalguns sítios, pode-se ver uma tempestade em plena força a cento e cinquenta quilómetros de distância. Como a terra é tão plana vêem-se coisas que simplesmente... Se se fica sempre na cidade vêem-se muitos edifícios e eu adoro Nova Iorque mas às vezes o campo alimenta-nos doutra maneira. Se se vir também os estrangeiros que vêm filmar para a América, mesmo em Nova Iorque, vêm com uma perspectiva diferente e aprendemos coisas com o ponto de vista deles, com o que eles vêem. Nós vêmo-lo todos os dias e portanto não é assim tão especial mas quando eles chegam e o vêem torna-se especial."

Sobre Schatzberg, Scarecrow e as personagens interpretadas por Gene Hackman e Al Pacino, Geoff Andrew escreveu que "o par não é especialmente aprazível, quanto mais heróico, mas são muito reconhecidamente humanos; portanto merecem e retribuem o nosso interesse e a nossa atenção. Schatzberg sublinha gentilmente este aspecto do filme ao fazer o seu elenco interagir com figurantes não profissionais em várias cenas; ao mesmo tempo, o naturalismo maravilhosamente plausível das interpretações ao longo do filme vai completamente de encontro a um estilo de cinema mais preocupado em nos mostrar qualquer coisa de verdadeira sobre as pessoas, a América ou o que for do que em regurgitar clichés confortáveis estereotipados."

Até Terça-Feira!