domingo, 27 de novembro de 2016

36ª sessão: dia 29 de Novembro (Terça-Feira), às 21h30


Continuando as grandes linhas de força, cruzamentos e heranças do cinema americano, John Cassavetes apreciava muitíssimo Don Siegel, de quem também era amigo e serviu como actor. Garra, pressão, adaptação, carga física. Totalmente consanguíneos, cada um com a sua temperatura. 

O filme que iremos ver esta semana, Escape from Alcatraz, tem como actor principal Clint Eastwood, o grande continuador do método de trabalho e da moral de Siegel. Instinto, simplicidade formal e profundidade humana. Jamais impor o brilhantismo técnico à personagem ou à situação. Escape, uma das obras finais de um insuperável artesão lacónico, é uma típica história de prisão e de fuga, mas tudo é absolutamente transcendido na acção detalhada, na paciência de Job e no desenrolar do tempo. Enfim, uma compressão e consequente gravidade explosiva que rebenta as costuras clássicas. Duro e cada vez mais surpreendente. 

Pierre Rissient, velha raposa da cinefilia que conheceu e conhece de perto estes homens, gravou-nos um vídeo de apresentação. 

Sam Peckinpah - assistente de Siegel em vários filmes - em Don Siegel and Me, descreveu o realizador de Dirty Harry como "um artesão dedicado e diligente, Don era maníaco na sua batalha contínua contra a autoridade estúpida de estúdio. Ele ficava e fica constantemente espantado com a idiotice da nossa indústria, ficando ainda encantado pela sua competência e profissionalismo. Eu percebi que podia ser considerado na última categoria quando, depois de ver um dos meus programas na TV, ele se virou e murmurou, Não és assim tão bom!"

Já Chris Fujiwara escreve (sobre Riot in Cell Block 11 e Don Siegel) que "o cinema de Siegel é marcado pelo desejo de se atirar de cabeça, dar o tudo por tudo, deitar tudo fora. O seu compromisso em filmar pura energia é anunciado cedo em Riot in Cell Block 11 com a fuga dos prisioneiros mais perigosos das celas deles, seguida da sua libertação dos outros, que, uma vez livres, destroem os seus quartos instintivamente, atirando camas e mobílias para o piso inferior da ala prisional. Momento de anarquia que lembra Zéro de ­conduite de Jean Vigo, a cena ressoa as revoltas contemporâneas incipientes: o movimento dos direitos civis, o rock and roll. Algo da libertação é transmitido, também, pela escolha dos actores do filme: tantos actores condenados a continuar subutilizados em papéis pequenos, estereotipados têm aqui uma oportunidade para mostrar o que conseguem fazer (Neville Brand, Robert Osterloh, e particularmente Emile Meyer). Aparentemente possuídos pela necessidade de exprimirem finalmente as suas personalidades, os actores dão-nos interpretações de força não regenerada.

"Ao longo da sua carreira, Siegel foi atraído pelas situações extremas, estados de excepção que revelam a verdade sobre as condições supostamente normais que interrompem. O roubo da arma do polícia pelo criminoso em Madigan (1968); a fuga do suspeito em Coogan’s Bluff (1968); o reino de terror do assassino em Dirty Harry (1971); a posse de dinheiro da Máfia impossessível pelos assaltantes de bancos em Charley Varrick (1973) constituem todos estados de excepção desses. E Riot é um exemplo ideal. O motim, e a tomada de reféns em particular, cria uma situação limite, caracterizada pela suspensão das regras. Quem manda torna-se uma questão: é o guarda prisional, o representante do governo, a polícia, a legislatura, “o povo”? Todos estes exercem um certo poder, ou são imputados a ter poder, em algum momento durante o impasse."

Finalmente, Clint Eastwood, o actor principal do filme, depois de falar sobre a influência de Siegel na sua obra e sobre o seu método de trabalho em entrevista a Michael Henry Wilson, elogiando a sua rapidez e engenho, disse que "a temperança dele influenciou-me de certeza. Em Fuga de Alcatraz [Escape from Alcatraz, 1979], fui eu que o persuadi a filmar nas galerias por onde se deu a fuga. Porquê gastar 100 mil dólares para construir um cenário? Don sabia exactamente quais planos ia filmar, mas não era rígido. Acontecia ele mudar ou acrescentar um plano no último momento. Trabalhei com realizadores que ficavam completamente desconcertados se a gente sugerisse uma mudança na interpretação de uma cena."

Até Terça-Feira!

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