segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

37ª sessão: dia 6 de Dezembro (Terça-Feira), às 21h30


Recentemente redescoberta por uma nova geração de cinéfilos, Elaine May começa a ter finalmente o reconhecimento devido da sua curta mas intensa carreira cinematográfica. Com uma vida longa, riquíssima e mais do que diversa, desde cedo que acompanhou o seu pai pelas estradas fora da América em pequenos teatros na corda bamba. Actuando desde os três anos, de terra em terra, teve aulas com Maria Ouspenskaya do Moscow Art Theatre, empregos vários longe da arte, tempo para viver, dar cabeçadas, aprender e desaprender. Etc. Etc. 

Temperamental, passou por diversos palcos e experiências até se juntar a Mike Nichols por muitos anos, começando no famoso “Nichols and May” até ao recente documentário sobre o mesmo. Realizadora inqualificável que tanto se pode filiar ao “magistério” Cassavetiano como às vagabundagens de Charlie Chaplin, baralhou de maneira singular o amor, o patético, a liberdade e a determinação. 

A New Leaf, a nossa próxima sessão, é então uma peça única de artesanato onde a comédia da vida e a comédia do amor surgem desgarradas em constante invenção e inocência formal. Chaplin de saias que correu muitos becos e gastou película como se não existisse amanhã e que se atirou sem rede às emoções como o seu amigo Cassavetes, Elaine May é um caso a deslindar emocionalmente e urgentemente.

Em 2006, a realizadora conversou com Mike Nichols e com o público do Walter Reade Theater em Nova Iorque sobre muitas coisas, debruçando-se também em A New Leaf. Vejamos:

"Eu comecei com um conto numa colectânea de Alfred Hitchcock. Gostei dela porque percebi que o homem, o herói, ia matar esta mulher. E na verdade mata outra pessoa. E eu pensei que ele a ia matar e não ia perceber que gostava dela. Lendo o conto pensei, que coisa interessante para fazer num filme. Portanto escrevi-o. Disse que tinha que ter aprovação do realizador, e eles disseram que eu o podia realizar. Não o consegui levar para a frente sem Walter Matthau, que começou como uma pessoa normal. E depois eles quiseram ter Carol Channing a interpretar a mulher, e eu disse, não, tem que ser alguém que desapareça mesmo. O filme é do homem. Eu disse, “Posso escolher a pessoa?” E eles disseram, “Não, mas podes interpretá-la tu. E tudo pelo mesmo dinheiro.” E no primeiro dia, quando começámos, foi um filme muito duro para mim. Não sabia absolutamente nada, Mal sabia com que é se parecia uma câmara. A sério, lutei. Esta história é quase inacreditável. Tinha escrito argumentos e conseguia escrever óptimas cenas, mas não sabia que havia algo chamado de cobertura. Toda a gente sabe o que é que eu quero dizer? De certeza que agora toda a gente tem uma câmara. Não sabia que se tinha que filmar duas pessoas para cortar. 

"Chamam-lhe master. Filmar um master primeiro. 

"Não, não. Eu não sabia que se tinha que filmar nada tirando uma coisa. 

"É o master. 

"Mesmo se se filmasse uma pessoa… 

"Oh, estou a ver. Pensaste que era só uma coisa por cena. 

"Sim, uma coisa por cena. Pensava que se imaginasse a cena e se fosse só uma pessoa se fazia isso. Ninguém me disse porque não me queriam no filme e queriam-me despedida. Estava muito à frente do previsto. Na primeira semana tinha saltado quatro semanas para a frente do previsto sem planos de cobertura. E estava muito orgulhosa. E eles queriam que eu cortasse. E eu disse, “Bom, isto é longo demais. Vamos-lhe tirar algum tempo.” E eles disseram, “Bem, não podemos.” Isto é quão pouco eu sabia, quer dizer miúdos com uma câmara sabem mais do que isso. E eu aprendi nesse fim de semana que se tinha que fazer planos de cobertura. Portanto voltei atrás e atrasei-me seis meses imediatamente. E neste filme, a única coisa de que sabia alguma coisa era interpretação. E tinha o meu elenco no filme. Tinha os meus actores. Tinha sido professora de interpretação. Dirigi. E sabia como é que queria que parecesse. E dizia coisas como querer que fossem de figura inteira mas não pequenos. Porque toda a gente disse que não precisavas de saber sobre lentes, sabes, pequena. E finalmente alguém me chamou de lado e me disse que haviam teleobjectivas e grandes-angulares. Nunca se viu um filme com tantos erros nele. O meu montador era um homem mesmo simpático que tinha um problema com drogas. E na primeira montagem que fez, ele fez flash forwards, para que eu visse a cena e havia um pedaço da próxima cena nela. Nunca tinha montado. Era o primeiro filme dele. E eu disse, “Há um pedaço da próxima cena, nisto,” e ele disse que era um flash forward. Não sabia o que fazer. E felizmente, bom ele não teve uma overdose, mas tomou drogas a mais e saiu, e os aprendizes e eu tirámos os flash forwards. Mas fi-lo porque a história era tão boa, e porque o elenco que eu tinha era a minha gente, e porque tinha Anthea Silver e a equipa não era muito boa. Mas contratei Dede Ryan. E consegui aprender nesse filme, enquanto o rodei fiz tantos erros que efectivamente aprendi um bocado sobre como fazer um filme. Não aprendi—tinha um operador de focagem tão bom que não sabia que havia algo como a focagem até ao próximo filme. Não há maneira de saber a não ser que alguém nos ensine ou façamos asneira. E quando se começa um filme com alguém a dizer, “Não podes escolher o realizador, mas podes realizá-lo,” começa-se mesmo sem saber nada. E essa foi a história desse filme. Cada dia se tornou em tentar lembrarmo-nos sobre o que era mesmo e não fazer muitas asneiras. Porque se qualquer pessoa pode estragar tudo… dou-vos esta blusa como exemplo. Foi mesmo uma experiência de pôr os cabelos em pé, mas tinha uma história tão forte que foi difícil estragá-la. E o que dizes está certo. Se tens alguma história que queres contar, é quase difícil fazê-la não funcionar, mesmo eu. 

"Deixem-me contar-vos uma pequena história sobre porque A New Leaf é tão bom. Era suposto eu ter feito American Beauty para a DreamWorks. Um dia estava-me a preparar para voar para uma ilha, e há uma tempestade. E o meu pequeno telemóvel toca e é Steven Spielberg, e ele diz, “Onde estás?” E eu disse, “Bem, é engraçado, estou num avião à espera que acabe uma tempestade. Estamos prestes a descolar.” E ele disse, “Bom, que tipo de avião?” E eu disse, “Um Citation Ultra.” E ele disse, “Bom, o teu avião é pequeno demais.” E eu disse, “Obrigado e porque é que telefonaste?” E ele disse, “Vais fazer o American Beauty ou não? Porque se não estiveres temos o Sam Mendes.” E eu acho que ele me está a tentar dizer qualquer coisa, portanto disse, “Sam Mendes é óptimo, devias fazê-lo, fazê-lo com o Sam. Eu tenho que esperar por este outro filme que tenho que fazer. Vai em frente e contrata o Sam.” Portanto fizeram-no e então eu vi o filme e era óptimo. E disse à minha mulher, achas que o devia ter feito? Ela disse, “Não, a razão porque é óptimo é o entusiasmo do Sam’ em fazer o primeiro filme dele.” E ela tinha razão, e ela tinha razão sobre ti e A New Leaf porque com isso tudo mesmo assim estavas tão entusiasmada em fazer o teu primeiro filme. E nós vêmo-lo. Está vivo. Sim, acho que é isso que a experiência faz. Ensina-te mesmo o que não deves fazer. Mas no princípio achas que podes fazer qualquer coisa porque não tens experiência nenhuma e isso dá-te mesmo muita energia."

Até Terça-Feira!

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