domingo, 26 de março de 2017

53ª sessão: dia 28 de Março (Terça-Feira), às 21h30


Com o dinheiro e a liberdade criativa que nunca teve no seio da indústria, Joe Dante faz desfilar todo o seu talento e todas as suas paixões nesta sequela de Gremlins, em que os bichos que serão tanto o nosso inconsciente selvagem como o de Gizmo (o pequeno Mogwai que acaba sempre molhado e a comer depois da meia-noite, apesar das contra-indicações), desmascaram o mundo de fachada das grandes empresas de Nova Iorque. Acabamos a pensar se a influência destes bichos será tão nociva assim, enquanto se atiram a corporações, cadeias de televisão e de fast-food e nos lembram de tudo o que nos apetece fazer, de vez em quando, ao passar a meia-noite. 

Gremlins 2: The New Batch é, portanto, a nossa próxima sessão. Partiu de uma carta-branca ao director de fotografia Manuel Pinto Barros, que nos apresentará o filme em vídeo.

A propósito da retrospectiva da obra do realizador na Cinemateca Francesa, em Março passado, Jean-François Rauger escreveu que "o cinema de Joe Dante se caracteriza daqui em diante pelo recurso permanente a uma memória que seria a de uma cultura popular guardada desde sempre e exposta agora como um instrumento crítico, tanto estético como político. Os Exploradores, de 1985, mostra crianças confrontadas com extraterrestres que só têm, como visão da terra, a que é proposta por emissões televisas, metáfora do mundo visto pelos filmes de Joe Dante. O imaginário infantil torna-se um dos elementos mais importantes de uma obra que, para além disso, não hesita em enfrentar uma realidade prosaica, ou mesmo trágica. Neste recurso analítico permanente a diversas referências culturais, não é portanto surpreendente que os cartoons constituam o elemento principal do cinema do autor de Gremlins. Certo, os desenhos animados, a partir dos anos 1980, fazem parte de uma das principais influências (junto a outras genealogias exógenas) do cinema hollywoodiano, especialmente de grande espectáculo. Mas nos filmes de Dante, a plasticidade invencível dos corpos, a leveza e a devastação orgiástica formam um universo quase abstracto no qual se implementa uma visão bem cáustica da América contemporânea. A infância como crítica radical.

"As criaturas imaginárias co-habitam a partir de agora com seres reais. Os Gremlins vão voltar, em 1990, para uma sequela que ataca um capitalismo moderno que se apoia num emprego pós-humano da técnica, os bichos de desenhos animados (Daffy Duck e Bugs Bunny) vão-se misturar com os humanos (Looney Tunes: De Novo em Acção, em 2003), os brinquedos vão ganhar vida para pôr a nu o imaginário guerreiro da sociedade (Small Soldiers, em 1998), os solados mortos da guerra do Iraque, tornados zombies, vão regressar para participar nas eleições (Homecoming, em 2005). Certo, poder-se-á dizer que uma tal vontade em inscrever a irrealidade « cartoonesca » ou cinéfila na própria realidade não é mais que uma forma hábil e definitivamente pouco perigoso de se atacar os males contemporâneos. Isso seria não compreender que a irrealidade, ou melhor, o que parecia relacionar-se apenas com fantasmas infantis ou pesadelos pueris, contaminou há muito tempo o mundo autêntico. A força do cinema de Joe Dante não consiste em encantar uma realidade sinistra recorrendo às mitologias (positivas ou negativas) da infância. Consiste antes numa forma de mostrar como o irreal agora faz parte do mundo real, um mundo totalmente « difundido ». Afinal de contas, chegou ao poder supremo dos Estados Unidos um milionário áspero e carrancudo, de cabelo cor-de-laranja, produto da tele-realidade - podia ser o guião de um filme de Joe Dante."

Numa entrevista a Michael Sragow, para a Film Comment, Joe Dante falou sobre este Gremlins 2, dizendo que "foi um filme muito difícil de fazer, e não tivemos apoio nenhum do estúdio porque eles acharam simplesmente que era algo que estavam a fazer só para pôr o Steven feliz. Fiquei contente por ir ser bem sucedido, mas fazer era outro igual era a última coisa que eu queria. 

"O estúdio veio ter comigo uns anos depois e perguntaram-me: “Queres fazer outro filme dos Gremlins?” Eu disse, não me parece. Foram e tentaram fazer o seu próprio filme de Gremlins. Gastaram bastante dinheiro num par de abordagens diferentes, mas nunca conseguiram perceber o que é que funcionava no primeiro filme. Eventualmente voltaram a vir ter comigo e com o Mike Finnell, o produtor, e disseram: “Queremos lançar outro filme dos Gremlins no próximo verão, e se o fizerem, deixámo-vos fazer o que quiserem.” Essa promessa pôs-me outra vez a bordo. Poder fazer o que se quisesse num filme de estúdio, com aproximadamente três vezes mais dinheiro do que no primeiro filme, era muito apelativo. Trouxe o [argumentista] Charlie Haas a bordo, e saímo-nos com um enredo, uma história e um cenário. Mostrámos ao Steven e pudemos fazer o filme. Eles deixaram-me fazer o filme que eu queria fazer, embora não o tenham percebido de todo. Por exemplo, eles não perceberam exactamente porque é que eu queria ter os gremlins a “romper” o filme. Disseram: “Vai sair toda a gente.” Eu disse: “Não vão sair, não. É uma piada!” Ao longo dos anos, percebi que o processo de quebrar a quarta parede é cada vez mais difícil. Tornou-se muito difícil ser Brechtiano de qualquer forma óbvia. O pessoal dos estúdios não gosta da ideia de lembrar às pessoas que estão a ver um filme. Eles acham que, de alguma maneira, as pessoas não se apercebem do facto de estarem numa sala de cinema a ver este filme, com outras pessoas à volta delas. Não se podia fazer um filme da série Road [filmes com Bing Crosby e Bob Hope], hoje. No entanto, eles deixaram-me escapar com o filme, e foi um filme mais pessoal para mim, porque o primeiro filme foi uma tarefa e um guião que veio até mim. E este era a minha opinião sobre essas coisas todas."

Já Louis Skorecki escreveu para o Libération que "Os diabinhos esquizóides de Gremlins 2 desmentem o ditado que pretente que uma série nunca está à altura do episódio-piloto. Dir-se-á que o filme de Joe Dante não é uma série mas sim um filme. Ah bom? Qual é a diferença entre uma boa série (Dream On, Twin Peaks) e os filmes de cinema dos seus autores, John Landis et David Lynch? A mesma economia exibicionista, a mesma velocidade lenta, o mesmo arremedo. Poder-se-á pensar, há quem o defenda, que as séries para televisão de Lynch ou Landis são melhores, na sua espécie de arremedo modesto, que os seus esforços um bocado pomposos para o grande ecrã. Dante, duplo pessimista de Spielberg, pode ter falhado a sua verdadeira vocação ao se esgotar em fiascos previsíveis, condenado a dar uma continuação (excelente) aos Gremlins, o seu único sucesso comercial. De qualquer forma, há quinze anos, realizou, sem saber, o piloto extraordinário de uma série que nunca foi feita, Os Exploradores, pequena jóia de interactividade infantil em forma de zapping interplanetário. Explorou acima de tudo o mundo das ligações cinema-televisão-jogos de vídeo, uma vez que três crianças comunicam, via cut-ups de imagens que são como soluções teléfilos, com dois jovens extraterrestres que inventaram uma linguagem feita de pedaços de espectáculos e de séries dos US. Ao mesmo tempo, os Power Rangers percorrem o espaço. Não nos largam, nunca nos largam. A cada ano, mudam de equipamento, de look, de derivados. Como tantos gremlins novos, aparecem outros monstros, em mutação constante, sempre tão incríveis, sempre tão engraçados. Filme em episódios ou série sem fim? Não queremos saber, é a mesma coisa. Produzindo os seus próprios clones e os seus próprios remakes até ao infinito, os Power Rangers inventam uma continuação perpétua, auto-destruíndo-se a cada temporada. São os heróis das crianças pobres, os guerreiros das favelas, os ninjas do futuro. Os gremlins fazem rir os miúdos dos ricos e os amantes de Capra. Mas os pobres acabam sempre por ganhar. Fazem mais filhos, o futuro pertence-lhes. A televisão, é a vida. O futuro pertence aos Power Rangers."

Até Terça-Feira!

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